Há muito tempo, numa terra em
que não se contavam as horas, e a lua, em suas fases, cheia, novas, minguante e
crescente definiam as agendas das atividades humanas, houve um homem que se
aventurou a abandonar sua tribo e partir em busca de razões que dessem sentido
à sua existência. Entre ameaças dos perigos inerentes à sua empreitada, ele
conseguiu desenvolver habilidades que o diferenciavam dos demais seres humanos
que cruzavam o seu caminho, de modo que a necessidade o impeliu a criar truques
e a lançar mãos de espertezas e ardis que lhe renderam fama e incutiu temor e
respeito por parte das demais tribos, que lhe atribuíam proezas e poderes
especiais como o de voar, transformar água em fogo, enfrentar animais selvagens
através de poderes hipnóticos, segundos relatos do próprio, que gozava de uma
credibilidade sem precedentes no âmbito das mais de 1500 tribos distribuídas
num território de mais de 150000 km², onde não se ousava desafiar ou
desacreditar Jupiranga, o homem em questão, que alcançara um nível de respeito
e admiração que, por sua intervenção foram feitas as pazes entre tribos rivais,
pessoas condenadas à morte foram libertas graças à sua interferência dentre
outras façanhas que serão expostas,
omitidas ou alteradas pela distância cronológica...
Jupiranga, para alcançar o
status de líder intertribal, se valeu de muito da epistemologia e do empirismo,
passando a se aproveitar dos conhecimentos e segredos das mais diversas tribos,
como quando se utilizando de camuflagem e dos mais diversos recursos, na tribo
dos Piripas, uma das mais impenetráveis, aguerridas e intolerantes aos
estranhos, ele descobriu que se alimentavam da carne uma espécie de anta, o que
fez com que ele se valesse de tal descoberta para matar uma anta magrinha e
com aspecto de fragilidade (essa ninguém iria querer comer), trabalhando
o seu couro e costurando com uma agulha de pau... e se vestindo de anta,
passando a freqüentar os arredores do acampamento dos Piripas, descobrindo os
seus maiores segredos e costumes como o de fazer armadilhas diferentes para
cada tipo de local ou árvore. Ficou claro que ao redor de toda sapucaia a
armadilha era diferente da que se colocava ao redor do angico e da caibreira, o
que facilitava a identificação num possível retorno a determinados locais e um
melhor domínio estratégico do seu espaço geográfico... A essa altura, Jupiranga
já era reverenciado até pelos Piripas e já passara a deixar a sua conhecida
marca, um cipó entrançado, que dava a entender que estivera no local, fato que
mobilizou os chefes daquela tribo a organizar uma grande festa para
recepcioná-lo e pedir-lhe auxílio na resolução de uma querela com a tribo dos
Birobas em torno de uma fonte fronteiriça
que matava a sede de ambas as tribos. Foi relatado a Jupiranga que essa questão
estaria ameaçando de extinção as tribos que, ao em vez de se preocupar com os
perigosos inimigos e tribos nômades que atacavam com freqüência em busca de
alimentos e armamentos, estavam desprendendo todos os seus esforços numa
disputa que só os fragilizavam. Diante da situação, Jupiranga pediu que se
convocasse uma grande reunião entre os chefes das duas tribos que sob a
intermediação de Jupiranga deliberou-se que as duas tribos, a dos temíveis
Piripas e a dos bravos Birobas construiriam uma espécie de adutora, feita do
tronco de uma umburana, onde nela se faria dois furos que dariam vazão para
duas calhas feitas de troncos de gameleiras que abasteceriam as duas tribos de
forma equânime, cabendo às tribos apenas abastecer a adutora do tronco de
umburana, tarefa que ocuparia apenas dez homens de cada tribo, o que fez com
que Jupiranga deixasse aquelas duas tribos gozando de honraria e privilégios nunca antes concedidos
a um estranho...
A fama e o prestígio de
Jupiranga eram tamanhos que já se cogitava a unificação de todas as tribos
conhecidas sob o seu comando, o que daria origem a uma grande tribo, com mais
poder conhecimento e capacidade de reação em casos de ameaças externas, dado o
fato de que se relatava entre as tribos a presença de grandes canoas com
centenas de homens barbudos que, de tempos em rondavam as cercanias. Num
primeiro momento acreditaram se tratar de seres especiais que viriam raptar os
nativos para experiências e cruzamentos genéticos, mas logo se percebeu
tratar-se de uma ameaça real e iminente, que fez com que se tornasse cada vez mais urgente a
necessidade da unificação tribal em torno da pessoa de Jupiranga que já
começara a se sentir o responsável pela segurança e integridade daquela
multidão tribos e pessoas que faziam pesar sobre ele todas as suas expectativas
quanto ao futuro de suas vidas e liberdade...
Enquanto todo o conjunto das
tribos estava em efervescência, num misto de
apreensão e incerteza, Jupiranga procurou se recolher para refletir
acerca do futuro que se delineava e lhe em impunha o comando de uma nação que
estava prestes a nascer. Depois de três luas cheias de reclusão reflexiva,
Jupiranga convocou todos os chefes para uma grande assembléia na qual se faria o anúncio da aclamação de Jupiranga com
chefe geral das tribos unificadas,fato esse que coincidiu com mais umas das
visitas de dezenas das canoas gigantes, que fez os grupos das pessoas e da
grande assembléia se impressionarem mutuamente... Perceberam, porém que o
pessoal das canoas gigantes jogou inúmeros cestos com presentes diversos como
espelhos, pentes e demais quinquilharias, o que fez com o ânimo das da maioria
dos componentes da mais nova nação (Pitombah), arrefecesse os ânimos em relação
aos misteriosos visitantes, de forma que se convencionou, mesmo a contra gosto
de Jupiranga, que, na próxima visita os estranhos seriam recebidos com festa, o
que provocou a renúncia de Jupiranga ao cargo de chefe geral do povo pitombo,
voltando à sua vida de aventuras, que lhe proporcionava muitas alegrias e
realização pessoal... E, quanto às demais tribos e a dissolução do povo pitombo,
conta-se que receberam novas visitas dos navegantes misteriosos que foram
tomando conta de tudo o que lhes pertencia e por fim lhes impuseram uma
dominação que consistia em duras imposições, roubando-lhes a identidade, a
liberdade e a tranqüilidade, terminando por criar uma nova nação, onde os
nativos seriam tolhidos em seus direitos, sua língua e sua liberdade...
Quanto a Jupiranga, este envelheceu e
sua maior façanha na velhice, foi se aperfeiçoar na arte de mergulhar e furar
cascos de caravelas...
Elias
Dantas em 14/05/2008.